Hoje começaremos uma nova série de estudos em Direito Civil, onde conversaremos sobre os Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa. Neste primeiro artigo faremos uma introdução ao tema e analisaremos a Ação de Consignação em Pagamento.
I. INTRODUÇÃO
Há situações da vida comum que podem gerar conflitos
excepcionais, os quais, por esta razão, não poderiam ser conhecidos,
processados e julgados por um rito comum de jurisdição, caso contrário a
atuação do judiciário seria claramente insatisfatória. Assim, esses conflitos
exigem um regimento especial, que adeque os procedimentos às particularidades
da lide, oferecendo soluções, expedientes e prazos diferenciados, dependendo de
cada caso.
Vale lembrar que o princípio constitucional do acesso à
justiça não ser resume apenas à possibilidade de se levar uma lide ao órgão
judiciário, mas sim ao direito de acessar a uma ordem jurídica justa, útil e
eficiente.
Um equívoco muito comum é pensar que o procedimento especial
resulta essencialmente em um apressamento da decisão. Nem sempre isso acontece,
a especialidade pode sim se dar por redução de prazos, simplificação e
agilização de trâmites processuais desnecessários ou redundantes, mas há casos em
que a excepcionalidade da lide exige a realização de atos insólitos ao
procedimento comum, que podem acabar prolongando feito, principalmente em fase
de investigação dos fatos e instrução probatória.
Nesse contexto, o ilustre doutrinador Misael Montenegro
Filho (Curso de Direito Processual Civil, Vol. III, 6ª ed., pag. 186) afirma: “(...) Examinando o procedimento especial,
podemos afirmar que este disciplina a prática de atos processuais em algumas
ações especificas, sem a (necessária) observância das regras do procedimento
comum, repita-se extremamente burocratizado. Embora inicialmente se exclua a
incidência das regras do procedimento comum, isto não significa que a ação é
resolvida em menor espaço de tempo, já que algumas ações que seguem o
procedimento em estudo são complexas em termos da investigação dos fatos”.
O Código de Processo Civil divide os procedimentos especiais
em duas categorias, os de jurisdição “voluntária” ou “graciosa”, em que não há lide
e nem partes, mas sim interessados, e os de jurisdição “contenciosa”, que serão
os objetos de estudo desta matéria.
Pois bem, os procedimentos especiais de jurisdição
voluntária estão previstos no Título II do Livro IV do CPC, enquanto os de
jurisdição contenciosa estão no Título I e são:
- a) Ação de Consignação em Pagamento (arts. 890 – 900 do CPC);
- b) Ação de Depósito (arts. 901 – 906 do CPC);
- c) Ação de Anulação e Substituição de Títulos ao Portador (arts. 907 – 913 do CPC);
- d) Ação de Prestação de Contas (arts 914 – 919 do CPC);
- e) Ações Possessórias (arts. 920 – 933 do CPC);
- f) Ação de Nunciação de Obra Nova (arts. 934 – 940 do CPC);
- g) Ação de Usucapião de Terras Particulares (arts. 941 – 945 do CPC);
- h) Ação de Divisão e Demarcação de Terras Particulares (art. 946 – 981 do CPC);
- i) Inventário e Partilha (arts. 982 – 1.045 do CPC);
- j) Embargos de Terceiro (art. 1.046 – 1.054 do CPC);
- l) Habilitação (arts 1.055 – 1.062 do CPC);
- m) Vendas a Crédito com Reserva de Domínio (arts. 1.070-1.071 do CPC);
- p) Ação Monitória (arts. 1.102 – 1.102 c do CPC).
II. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO
A ação de consignação é um instrumento utilizado pelo
devedor ou por terceiro com a
finalidade de efetuar judicialmente o pagamento de um débito, por algum motivo
impossibilitado de ser feito por via normal, extinguindo-se a obrigação.
Podemos dizer, portanto, que essa modalidade é a forma judicializada de
desfazimento do vínculo obrigacional.
A origem desta ação, regulamentada procedimentalmente
pelos artigos 890 e seguintes do CPC, se encontra no direito material, artigo
304 do Código Civil, que afirma que “qualquer
interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser,
dos meios conducentes à exoneração do devedor”, salvo oposição deste.
Nesses termos, os legitimados
para esta ação são as pessoas que tenham interesse na extinção da obrigação. Tem
legitimidade ativa o devedor ou terceiro e tem legitimidade passiva o credor,
ou seus sucessores e herdeiros.
Quanto às hipóteses
de cabimento da ação, importa ressaltar que elas não são positivadas
pela lei processual civil, mas sim pelo Código Civil em seu artigo 335. Senão,
vejamos:
Art. 335. A consignação tem lugar:
I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o
pagamento, ou dar quitação na devida forma;
II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e
condição devidos;
III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado
ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto
do pagamento;
V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
O primeiro inciso traduz a hipótese mais comum de
consignação em pagamento, a impossibilidade ou recusa do credor em receber o
pagamento ou dar quitação. Insta ressaltar que a recusa deve ser injusta, pois
se o valor depositado for insuficiente ou se o devedor não houver respeitado as
condições do contrato a consignação não será aceita. Se o devedor estiver em
mora, o valor dos juros também deverá ser depositado.
O segundo inciso relata a situação em que a dívida é
quesível, ou seja, cabe ao credor buscar o pagamento no domicílio do devedor.
Se o credor não o fizer e nem mandar outra pessoa em seu lugar, o devedor
poderá liberar-se do débito por meio da consignação em pagamento.
O terceiro inciso retrata o caso em que o devedor não
encontra o credor ou por outro motivo não consegue fazer o pagamento, ou seja,
está impossibilitado de fazer o pagamento. A situações exemplificativas são: quando
o credor é desconhecido; quando reside em local incerto, perigoso ou de difícil
acesso; quando declarado ausente e o devedor não conhece seu curador ou não
sabe se ele tem poderes para dar quitação; ou, ainda, quando o credor faleceu e
não se tem notícias quanto aos herdeiros ou sucessores e, assim, o devedor não
sabe quem é seu atual credor.
Assim como a primeira, outra hipótese comum é a do inciso
quarto, quando o devedor não tem certeza sobre a pessoa para quem deve entregar
o objeto ou fazer o pagamento, há dúvidas quanto à titularidade do crédito. Um
exemplo disso, é o caso da seguradora, quando paira dúvida se o pagamento da
indenização deve ser feito à esposa ou companheira do “de cujus”.
Por fim, tem-se possibilidade de, apesar da certeza
quanto ao credor, o objeto da pretensão ser também objeto de litígio entre
credor e um terceiro. Assim, por exemplo, quando um terceiro reivindica a
propriedade do imóvel objeto de contrato de locação, o locatário poderá
consignar os aluguéis para se prevenir de pagar mal (art. 344 do Código Civil).
Urge ressaltar que esse é apenas um rol exemplificativo,
existindo outros casos em que se pode consignar pagamentos.
Dando sequência ao tema, segundo o saudoso doutrinador
Misael Montenegro Filho (2013, p. 385), o depósito integral da quantia ou da
coisa devida no início do procedimento já libera o devedor de sua obrigação,
não sendo necessário aguardar até a prolação da sentença. Esta afirmação se dá
pela interpretação do artigo 891 do CPC e 337 do CC, pois delimitam que o depósito cessa os juros e os riscos,
salvo se for julgado improcedente.
Apenas quando se tratar de dívida pecuniária, é possível
ao devedor fazer a consignação extrajudicial
(art. 890 do CPC), mediante depósito dívida em estabelecimento bancário,
oficial onde houver.
Nesta hipótese o credor será cientificado do valor, tendo
prazo de 10 dias para apresentar recusa, casa contrário, o devedor estará
liberado da obrigação e a quantia depositada ficará à disposição do credor. Se
o credor apresentar recusa ao recebimento, o devedor terá o prazo de 30 dias
para propor ação de consignação, instruindo-a com a prova do depósito e da
recusa.
Importa destacar que o prazo de 30 dias não é
prescricional ou decadencial, mas apenas mantém a eficácia liberatória do
depósito, ou seja, após o prazo o devedor ainda poderá consignar o valor, mas
restará configurada a mora.
Quanto à competência
para conhecer e julgar a ação de consignação, o artigo 891 diz que será
do foro do lugar de pagamento, assim, tendo a dívida natureza quesível, o foro
competente será o domicílio do autor (devedor), se a natureza for portável, o
foro competente é o domicílio do réu (credor).
Em havendo foro de eleição que concorra com o local de
cumprimento da obrigação, a jurisprudência tem se mostrado pacífica quanto a
prevalência do último, mas alguns doutrinadores, como o já citado Misael
Montenegro Filho (2013, p. 386), afirmam que o foro de eleição deverá ser
respeitado, nele ajuizando a ação de consignação.
Se a obrigação for a entrega de coisa certa, conforme o
parágrafo único do art. 891, será competente para a propositura da ação de
consignação, o foro do local onde ela se encontrar.
Nesse ínterim, destaca-se ainda que em se tratando de
consignatória de aluguéis e encargos, será competente para conhecer e julgar a
ação o foro do lugar da situação do imóvel, como bem dispõe o artigo 58, inciso
II da Lei 8.245/91.
No que diz respeito ao processamento da ação de consignação em pagamento, quando fundada em recusa injusta em receber, ou
no caso de credor desconhecido ou que resida em local de difícil ou perigoso
acesso, na petição inicial o autor deverá requerer que o depósito seja
efetuado dentro de cinco dias, se já não tiver feito, sob pena de extinção do
feito sem julgamento do mérito. Outrossim, deverá requerer a citação do réu
(credor) para levantar o depósito ou oferecer resposta no prazo legal, sob pena
de revelia.
Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a
escolha couber ao credor, será este citado para exercer o direito dentro de 5
dias, se outro prazo não constar de lei ou do contrato, ou para aceitar que o
devedor o faça, devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar lugar,
dia e horar em que se fará a entrega, sob pena de depósito (Art.894 do CPC).
Merece destaque, ainda, o disposto no artigo 892 que diz
que em se tratando de prestações periódicas, é autorizado a consignação das
parcelas seguintes à que ensejou a propositura da ação, cujo depósito tem que
ser efetuado em até 5 dias após o vencimento, salvo aluguel, hipótese em que o
depósito deve ser efetuado na data do vencimento. Diz a doutrina que no caso,
as parcelas vincendas caracterizam-se com pedido implícito.
Efetuado o depósito, o réu será citado e poderá: a)
comparecer em juízo, aceitando e levantando o depósito, situação em que será
declarada a procedência da ação, a extinção da obrigação do devedor e a
condenação do réu ao pagamento das custas; b) permanecer inerte e ver decretada
sua revelia; c) apresentar sua resposta no prazo de 15 dias.
Conforme o artigo 896 do CPC, em sede contestação o réu
poderá alegar que: I) não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa
devida; II) Foi justa a recusa; III) O depósito não se efetuou no prazo ou no
lugar do pagamento; IV) O depósito não é integral, devendo se apresentado o
valor que entender ser devido. Destaca-se que os valores depositados, enquanto incontroversos,
poderão ser levantados, prosseguindo o processo em relação ao valor
controvertido.
Quando a ação for fundada
em dúvida quanto ao credor, na petição inicial o autor deverá requerer
que o depósito seja efetuado dentro de cinco dias, bem com a citação de todos
os possíveis credores, além de explicitar a razão da dúvida.
Efetuado o depósito, os réus serão citados. Feito isso, o
artigo 898 do CPC prevê as seguintes situações: a) se não comparecer nenhum
pretendente, aplica-se a revelia, extingue-se a obrigação e o depósito será
convertido em arrecadação de bens de ausentes; b) comparecendo apenas um, o
juiz decidirá de plano; c) comparecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o
depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente
entre os credores, caso em que será observado o procedimento ordinário.
Por derradeiro, ressalta-se a inteligência do artigo 899,
que afirma que se for alegado a insuficiência do valor depositador, é licito ao
autor completa-lo no prazo de 10 dias. Neste caso, se apenas um credor tiver
comparecido, a parcela incontroversa poderá ser levantada, continuando o
processo quanto ao restante.
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