sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Retribuição pelo Trabalho - Artigo 01

Como já consignamos em momento anterior, duas são as principais obrigações e direitos do contrato individual de trabalho: a prestação do serviço (obrigação do empregado X direito do empregador) e o pagamento do salário (obrigação do empregador X direito do empregado). O cumprimento dessas obrigações projeta-se no tempo, o que significa dizer, repete-se ao longo do desenvolvimento do contrato, fato que atribui ao negócio jurídico a característica de ser de “trato sucessivo”. Estudaremos esse e outros elementos em momento oportuno.

Nesse Blog, já há algum tempo, temos conversado sobre a obrigação de prestação do serviço, mais especificamente relacionada à jornada de trabalho, (horas extras, banco de horas, regime de tempo parcial, jornada noturna, horas in itinere, turnos ininterruptos de revezamento, tempo de prontidão, de sobreaviso, à disposição e etc.) e períodos de descanso (intervalos, RSR e férias).


Feito isso, chegou a vez de observarmos as regras que envolvem o outro lado da moeda, que é o salário. Diga-se de passagem, como também já vimos em artigo próprio, a onerosidade é elemento essencial da Relação de Emprego (juntamente com pessoalidade, não-eventualidade e subordinação), ou seja, não há contrato individual de trabalho a título gratuito.

Nesses termos, o célebre doutrinador Maurício Godinho Delgado (Introdução ao Direito do Trabalho, 2ª ed., p. 256) afirma que a relação de emprego é “uma relação de essencial fundo econômico. Através dessa relação sociojurídica é que o moderno sistema econômico consegue garantir a modalidade principal de conexão do trabalhador ao processo produtivo, dando origem ao largo universo de bens econômicos característicos do mercado atual. Desse modo, ao valor econômico da força de trabalho colocada à disposição do empregador deve corresponder uma contrapartida econômica em benefício do obreiro, consubstanciada no conjunto salarial, isto é, o complexo de verbas contrarestativas pagas pelo empregador ao empregado em virtude da relação jurídica pactuada. O contrato de trabalho é, desse modo, um contrato bilateral, sinalagmático e oneroso, por envolver um conjunto diferenciado de prestações e contraprestações entre as partes, economicamente mensuráveis”.

1.      Remuneração X Salário

Quando se fala na prestação obrigacional devida pelo empregador ao empregado, dois termos ganham destaque, remuneração e salário.

A doutrina é bem divergente no que diz respeito ao conceito e diferenciação desses vocábulos, especialmente quanto à interpretação do artigo 457 da CLT, que diz: compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.

À prima facie, não parece ser tão complexo entende-los, bastaria dizer que remuneração é salário somado às gorjetas, ou como alguns dizem, remuneração seria gênero do qual salário é apenas uma espécie, junto com outras parcelas devidas e pagas ao empregador em razão do contrato de trabalho.

De fato é uma boa explicação, porém, até o momento os grandes doutrinadores não conseguem ser concordes quanto aos termos.

Exemplificando esta afirmação, o renomadíssimo Amauri Mascaro Nascimento (Curso de Direito do Trabalho, 21ªed. p. 817) conceitua salário como “a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos computáveis na jornada de trabalho”. Nesse contexto, nos parece que tal doutrinador não faz diferença entre remuneração e salário, eles seriam termos sinônimos.

Por outro lado, o não menos conceituado Sérgio Pinto Martins (Direito do Trabalho, 21ªed. p.242), afirma que salário é “o conjunto de prestações fornecidas diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, seja em função da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais hipóteses previstas em lei”. Nesse prisma, tudo aquilo que o trabalhador receba de terceiros, mas em razão do trabalho prestado, não seria salário, mas sim remuneração.

A nossa posição, data máxima vênia, vem mais ao encontro do segundo conceito, completando que remuneração abrange todas as vantagens auferidas pelo empregado em razão do vínculo empregatício, de natureza salarial ou não, mesmo que não pecuniárias. Assim, não são salário, mas estão dentro do termo remuneração, as “gorjetas”, “gueltas” e, no ramo esportivo, o “direito de imagem”.

Talvez você esteja se perguntando agora: qual a importância dessa discussão, aparentemente, apenas doutrinária? 

Pois bem. A relação entre essas parcelas retributivas se dá naquilo que Vicente Delgado chama de efeito expansionista do salário, mas que a praxe forense chamamos de “reflexo” ou “repercussão”.

O salário incha, ricocheteia dentro do contrato de trabalho, repercute nele e em tudo quanto mais que se tenha que calcular e pagar, por exemplo, décimo terceiro, férias, RSR, aviso prévio e etc. Do lado inverso, a remuneração que não é salário, repercute em outras verbas de forma restrita e limitada, entendimento retirado a partir de uma interpretação analógica da súmula 354 do TST que dá efeitos limitados ou restritos às gorjetas. Senão, vejamos:

Súmula nº 354 do TST - GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES - As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

No caso especial das gorjetas, elas refletem ou incidem nas parcelas trabalhistas cuja base de cálculo é a remuneração do empregado, como, por exemplo, nas férias, no décimo terceiro salário e no FGTS, ficando fora do cálculo de outras verbas como aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e RSR.

Para colocarmos toda essa explicação em um caso prático, tomamos por base o trabalho prestado por um garçom, o qual chamaremos de Ricardo, em duas hipóteses distintas. Para tanto, alguns dados nos são importantes: a) Salário - R$ 900,00 b) Média de gorjetas no mês – R$ 1.100,00.

1 - Ricardo já tem mais de um ano de empresa e, estando em período concessivo, se prepara para usufruir das férias. Assim, a lei prevê que ele receberá a remuneração do mês de descanso mais um terço constitucional. Observando a súmula 354 do TST, percebe-se que as gorjetas refletem no cálculo de férias, logo, Ricardo receberá R$ 2.667,00 (R$ 2.000,00 referentes ao salário + gorjetas, e R$667,00 referentes ao terço constitucional).

2 – Acontece que, parte da jornada de trabalho do Ricardo é prestada no período noturno e, em dias de eventos maiores, ele presta também algumas horas extraordinárias. Observando a súmula 354 do TST, temos que as gorjetas não refletem no cálculo do adicional noturno nem no cálculo das horas extras, ou seja, essas verbas serão pagas a Ricardo com base no salário de R$900,00.

Seguindo no tema, importante destacar ainda aquilo se chama no meio jurídico de “indenizações”. Haja vista terem o escopo de ressarcir um dano ou compensar um prejuízo do empregador, as indenizações não refletem ou repercutem noutras verbas, pois não têm finalidade de retribuir um serviço prestado.

Nesses temos, indeniza-se, ressarce-se, todas as despesas necessárias PARA possibilitar, permitir a execução do trabalho. Tratam-se de parcelas que são destinadas não PELO trabalho, mas sim PARA o trabalho, por exemplo, a ajuda de custo e diárias de viagem que não excedam a 50% do valor salarial.

Destarte, o salário (que está dentro da remuneração) repercute em todas as demais verbas do contrato de trabalho, as outras remunerações que não têm natureza salarial refletem de forma restrita e limitada, enquanto verba indenizatória não tem qualquer efeito reflexivo em outros pagamentos.

Por fim, destaca-se que em um ponto todos são concordes, qual seja, que o salário é devido não como contraprestação ao serviço realizado, mas sim ao tempo de disponibilidade do trabalhador. Isto porque, conforme inteligência do artigo 4º da CLT, considera-se como serviço efetivo o período em que o empregado se coloca à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens.

Dentro em breve, novos artigos sobre o tema serão postados, falaremos ainda sobre elementos da remuneração, salário em pecúnia ou in natura, institutos de proteção ao salário e etc.

Autor: Stanley Costa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário