Como já consignamos em momento
anterior, duas são as principais obrigações e direitos do contrato individual
de trabalho: a prestação do serviço (obrigação do empregado X direito do
empregador) e o pagamento do salário (obrigação do empregador X direito do
empregado). O cumprimento dessas obrigações projeta-se no tempo, o que
significa dizer, repete-se ao longo do desenvolvimento do contrato, fato que
atribui ao negócio jurídico a característica de ser de “trato sucessivo”.
Estudaremos esse e outros elementos em momento oportuno.
Nesse Blog, já há algum tempo,
temos conversado sobre a obrigação de prestação do serviço, mais especificamente
relacionada à jornada de trabalho, (horas extras, banco de horas, regime de
tempo parcial, jornada noturna, horas in itinere, turnos ininterruptos de
revezamento, tempo de prontidão, de sobreaviso, à disposição e etc.) e períodos
de descanso (intervalos, RSR e férias).
Feito isso, chegou a vez de observarmos
as regras que envolvem o outro lado da moeda, que é o salário. Diga-se de
passagem, como também já vimos em artigo próprio, a onerosidade é elemento
essencial da Relação de Emprego (juntamente com pessoalidade, não-eventualidade
e subordinação), ou seja, não há contrato individual de trabalho a título
gratuito.
Nesses termos, o célebre
doutrinador Maurício Godinho Delgado (Introdução
ao Direito do Trabalho, 2ª ed., p. 256) afirma que a relação de emprego é “uma relação de essencial fundo econômico.
Através dessa relação sociojurídica é que o moderno sistema econômico consegue
garantir a modalidade principal de conexão do trabalhador ao processo
produtivo, dando origem ao largo universo de bens econômicos característicos do
mercado atual. Desse modo, ao valor econômico da força de trabalho colocada à
disposição do empregador deve corresponder uma contrapartida econômica em
benefício do obreiro, consubstanciada no conjunto salarial, isto é, o complexo
de verbas contrarestativas pagas pelo empregador ao empregado em virtude da
relação jurídica pactuada. O contrato de trabalho é, desse modo, um contrato
bilateral, sinalagmático e oneroso, por envolver um conjunto diferenciado de
prestações e contraprestações entre as partes, economicamente mensuráveis”.
1.
Remuneração
X Salário
Quando se fala na prestação
obrigacional devida pelo empregador ao empregado, dois termos ganham destaque,
remuneração e salário.
A doutrina é bem divergente no que
diz respeito ao conceito e diferenciação desses vocábulos, especialmente quanto
à interpretação do artigo 457 da CLT, que diz: compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos
legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como
contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
À prima facie, não parece ser tão
complexo entende-los, bastaria dizer que remuneração é salário somado às
gorjetas, ou como alguns dizem, remuneração seria gênero do qual salário é
apenas uma espécie, junto com outras parcelas devidas e pagas ao empregador em
razão do contrato de trabalho.
De fato é uma boa explicação,
porém, até o momento os grandes doutrinadores não conseguem ser concordes quanto
aos termos.
Exemplificando esta afirmação, o renomadíssimo
Amauri Mascaro Nascimento (Curso de Direito do Trabalho, 21ªed. p. 817)
conceitua salário como “a totalidade das
percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de
pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do
contrato e os descansos computáveis na jornada de trabalho”. Nesse
contexto, nos parece que tal doutrinador não faz diferença entre remuneração e
salário, eles seriam termos sinônimos.
Por outro lado, o não menos
conceituado Sérgio Pinto Martins (Direito do Trabalho, 21ªed. p.242), afirma
que salário é “o conjunto de prestações
fornecidas diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do
contrato de trabalho, seja em função da contraprestação do trabalho, da
disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais
hipóteses previstas em lei”. Nesse prisma, tudo aquilo que o trabalhador
receba de terceiros, mas em razão do trabalho prestado, não seria salário, mas
sim remuneração.
A nossa posição, data máxima
vênia, vem mais ao encontro do segundo conceito, completando que remuneração
abrange todas as vantagens auferidas pelo empregado em razão do vínculo
empregatício, de natureza salarial ou não, mesmo que não pecuniárias. Assim, não
são salário, mas estão dentro do termo remuneração, as “gorjetas”, “gueltas” e, no ramo esportivo, o “direito de imagem”.
Talvez você esteja se perguntando
agora: qual a importância dessa discussão, aparentemente, apenas
doutrinária?
Pois bem. A relação entre essas
parcelas retributivas se dá naquilo que Vicente Delgado chama de efeito
expansionista do salário, mas que a praxe forense chamamos de “reflexo” ou “repercussão”.
O salário incha, ricocheteia
dentro do contrato de trabalho, repercute nele e em tudo quanto mais que se
tenha que calcular e pagar, por exemplo, décimo terceiro, férias, RSR, aviso
prévio e etc. Do lado inverso, a remuneração que não é salário, repercute em outras verbas de forma restrita e limitada, entendimento
retirado a partir de uma interpretação analógica da súmula 354 do TST que dá
efeitos limitados ou restritos às gorjetas. Senão, vejamos:
Súmula nº 354 do TST - GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES
- As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas
espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não
servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional
noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.
No caso especial das gorjetas, elas
refletem ou incidem nas parcelas trabalhistas cuja base de cálculo é a
remuneração do empregado, como, por exemplo, nas férias, no décimo terceiro
salário e no FGTS, ficando fora do cálculo de outras verbas como aviso-prévio,
adicional noturno, horas extras e RSR.
Para colocarmos toda essa
explicação em um caso prático, tomamos por base o trabalho prestado por um
garçom, o qual chamaremos de Ricardo, em duas hipóteses distintas. Para tanto,
alguns dados nos são importantes: a) Salário - R$ 900,00 b) Média de gorjetas
no mês – R$ 1.100,00.
1 - Ricardo já tem mais de um ano de empresa
e, estando em período concessivo, se prepara para usufruir das férias. Assim, a
lei prevê que ele receberá a remuneração do mês de descanso mais um terço
constitucional. Observando a súmula 354 do TST, percebe-se que as gorjetas
refletem no cálculo de férias, logo, Ricardo receberá R$ 2.667,00 (R$ 2.000,00
referentes ao salário + gorjetas, e R$667,00 referentes ao terço
constitucional).
2 – Acontece que, parte da jornada de
trabalho do Ricardo é prestada no período noturno e, em dias de eventos maiores,
ele presta também algumas horas extraordinárias. Observando a súmula 354 do
TST, temos que as gorjetas não refletem no cálculo do adicional noturno nem no cálculo
das horas extras, ou seja, essas verbas serão pagas a Ricardo com base no
salário de R$900,00.
Seguindo no tema, importante destacar
ainda aquilo se chama no meio jurídico de “indenizações”. Haja vista terem o
escopo de ressarcir um dano ou compensar um prejuízo do empregador, as indenizações
não refletem ou repercutem noutras verbas, pois não têm finalidade de retribuir
um serviço prestado.
Nesses temos, indeniza-se,
ressarce-se, todas as despesas necessárias PARA possibilitar, permitir a
execução do trabalho. Tratam-se de parcelas que são destinadas não PELO
trabalho, mas sim PARA o trabalho, por exemplo, a ajuda de custo e diárias de
viagem que não excedam a 50% do valor salarial.
Destarte, o salário (que está
dentro da remuneração) repercute em todas as demais verbas do contrato de
trabalho, as outras remunerações que não têm natureza salarial refletem de
forma restrita e limitada, enquanto verba indenizatória não tem qualquer efeito
reflexivo em outros pagamentos.
Por fim, destaca-se que em um
ponto todos são concordes, qual seja, que o salário é devido não como
contraprestação ao serviço realizado, mas sim ao tempo de disponibilidade do
trabalhador. Isto porque, conforme inteligência do artigo 4º da CLT,
considera-se como serviço efetivo o período em que o empregado se coloca à
disposição do empregador, aguardando ou executando ordens.
Dentro em breve, novos artigos
sobre o tema serão postados, falaremos ainda sobre elementos da remuneração,
salário em pecúnia ou in natura,
institutos de proteção ao salário e etc.
Autor: Stanley Costa.
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