quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa - Artigo 02

Dando continuidade aos estudos sobre procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, hoje analisaremos duas ações: Ação de Depósito e Ação de Prestação de Contas.

          1.      AÇÃO DE DEPÓSITO

Conforme bem diz o artigo 901 do CPC, a Ação de Depósito tem a finalidade exigir a restituição de coisa depositada. Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (Revista dos Tribunais, 2009), esta ação trata-se de medida tendente ao exaurimento do contrato de depósito.


Nesses termos, o primeiro ponto que poderíamos extrair deste conceito é que os legitimados para a ação já estão previamente definidos, quais sejam, o depositante (independentemente de ser proprietário da coisa) como legitimado ativo e o depositário como legitimado passivo.

Uma questão que tem gerado discussão é quanto ao tipo de depósito que enseja a mencionada ação, porém, a doutrina dominante já tem se postado no sentido de que ela é cabível apenas nos casos de depósito regular, ou seja, de coisa infungível, não sendo a ação adequada para os casos de depósito irregular, ou seja, de coisa fungível.

No mesmo sentido tem se consolidado o entendimento do Colendo STJ, senão, vejamos:

CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATO DE GUARDA E ARMAZENAGEM DE GRÃOS DE MILHO - BEM FUNGÍVEL - EGF/AGF - AÇÃO DE DEPÓSITO - NÃO CABIMENTO – PRISÃO CIVIL - INVIABILIDADE.
A orientação pacificada no âmbito da 2a Seção desta Corte é a de que os contratos de EGF e AGF, com o depósito de bens fungíveis, não autorizam, em caso de inadimplência, a ação de depósito e, como conseqüência, a prisão civil do responsável. Precedentes. Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 740385 / MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, 3ª Turma, julgado em 07/10/2008).

PROCESSUAL CIVIL — AGRAVO REGIMENTAL — AGRAVO DE INSTRUMENTO — SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA — ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL — IMPOSSIBILIDADE — CÉDULA DE CRÉDITO RURAL — DEPÓSITO DE BENS FUNGÍVEIS — AÇÃO DE DEPÓSITO — INADMISSIBILIDADE.
(...) II – Em se tratando de bens fungíveis e consumíveis, não é cabível ação de depósito, aplicando-se ao depósito atípico as regras do mútuo. Precedentes. (AgRg no Ag 446296 / MT, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, 4ª Turma, Julgado em 19/02/2008).

Quanto ao procedimento, podemos dizer que ação de depósito origina um processo de conhecimento, com a finalidade de se obter uma sentença condenatória, que imponha ao réu a obrigação de entregar a coisa depositada.

Conforme artigo 902 do CPC, temos que na petição inicial o Autor deverá demonstrar o aperfeiçoamento do contrato de depósito, por meio de prova literal (não apenas o contrato, mas também recibos, cartas e etc.), e a recusa da parte adversa em entregar o objeto que lhe foi anteriormente entregue. Além disso, é necessário instruir a inicial com a estimativa do valor da coisa, se não constar do próprio contrato.

Feito isso, o réu será citado para no prazo de 5 (cinco) dias: a) entregar a coisa; b) depositá-la em juízo; c) consignar-lhe o equivalente em dinheiro; ou, d) apresentar defesa. Optando por apresentar defesa, o réu poderá alegar a nulidade ou falsidade do título e da extinção das obrigações, além das demais defesas previstas na lei civil. Frisa-se, ainda, que sendo a ação contestada, observar-se-á o procedimento ordinário.

Misael Montenegro Filho (Código de Processo Civil Comentado, 2013, p.391) ensina que a ação de depósito é bifásica. Na primeira fase examina-se a existência ou não do contrato de depósito de coisa infungível, bem como os motivos da oposição do réu em devolver a coisa. Já na segunda fase, o Magistrado ordena a expedição do mandado de entrega, independentemente da instauração da execução.

Essa é a interpretação do artigo 904 do CPC que delimita que sendo julgada procedente a ação, ordenará o juiz a expedição de mandado para a entrega, em 24 (vinte e quatro) horas, da coisa ou do equivalente em dinheiro.

No Código de Processo Civil ainda se encontra expresso a possibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel, porém, a regra foi derrogada pela Súmula Vinculante 25 do STF: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

Prolatada a sentença e expedido o mandado, se ele não cumprido no prazo de 24 horas o juiz poderá apenas determinar a busca e apreensão, sem prejuízo da fixação de multa diária, haja vista que estaríamos diante de uma obrigação de dar coisa certa.

Se a entrega do bem não for mais possível (obrigação de dar coisa certa), seja porque se deteriorou ou porque o réu o destruiu ou escondeu, o valor do bem será apurado em liquidação de sentença (475-A ss), sendo possível a instauração de execução por quantia certa.

In fine, destaca-se que a sentença condenatória poderá ser atacada por apelação, recebida em ambos os efeitos.

          2.      AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS

Todos que, em razão de uma relação jurídica de direito material, administrarem bens ou patrimônio de outros ou comuns a ele e outros, tem o dever de prestar contas. Do lado oposto, todo aquele que tiver seus bens ou patrimônio administrados por terceiros, terá o direito exigir a prestação de contas.

Diversas são as hipóteses que geram a obrigação e o direito relatados, dentre elas, a título exemplificativo, podemos destacar: a relação entre síndico e condomínio; do tutor com tutelado; do curador com o curatelado; do inventariante com os herdeiros; do advogado com o cliente e etc.

Pois bem. Nesses termos, a ação em comento é o meio jurídico adequado para que o autor exija a prestação das contas, quando contratual ou legalmente tiver o direito de exigi-las, ou para que as preste, quando contratual ou legalmente tiver obrigação de prestá-las.   Assim sendo, temos que o Código de Processo Civil, nos artigos 914 e seguinte, disciplina dois procedimentos distintos, uma ação de exigir contas e outra dar contas.

Doutrinariamente, fala-se que esta ação é bifásica e de caráter dúplice. A ação é bifásica porque, em um único processo de conhecimento existem duas fases cognitivas diferentes, primeiramente o juiz analisa se o autor faz jus à prestação de contas ou tem a obrigação de prestá-las, e posteriormente examina as contas apresentadas e julga se há saldo credor ou devedor.

Subsequentemente, temos que a ação é de caráter dúplice, pois ambas as partes podem assumir a posição de autor ou réu na mesma demanda, podendo o saldo apurado ser a favor do autor ou do réu, igualmente valendo a sentença como título executivo.

Para demonstra a duplicidade da ação, Misael Montenegro Filho (Código de Processo Civil Comentado, 2013, p.394) dá o seguinte exemplo: Um condomínio ajuíza ação para que o síndico preste contas e acontece que, ele não só demonstra uma boa administração como também que investiu dinheiro particular para pagamento de despesas comuns, passando na mesma ação a exigir o recebimento da devida restituição.

Quanto ao procedimento, na ação de exigir contas, a competência será do foro do local onde ocorreu a gestão ou administração do interesse alheio, exceto quando se tratar de relação de consumo, quando a propositura da ação poderá ocorrer no foro do domicílio do consumidor.

Ademais, neste caso a legitimidade ativa é daquele que tem seu bem ou patrimônio administrado por terceiro, sendo este o legitimado passivo.

Diz o artigo 915 que quem pretender exigir a prestação de contas requererá a citação do réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar ou contestar a ação. Se forem prestadas as contas a primeira fase encerra-se sem necessidade de sentença, se houver apresentação de defesa o magistrado analisará e em seguida prolatará sentença, a qual poderá ser passível de recurso de apelação.

Em sendo essa fase julgada procedente, o juiz condenará o réu a prestar as contas no prazo de 48 horas. Se as contas forem apresentadas no prazo estabelecido, seguir-se-á a ação para a segunda fase, podendo o autor falar sobre as contas no prazo de 5 (dias). Não sendo apresentadas as contas, o juiz dará ao autor o direito de apresentar suas contas em 10 dias, que serão julgadas pelo prudente arbítrio do juiz, sem que o réu possa impugná-las.

Nesta segunda fase, o juiz examinará se as contas estão ou não corretas (prestadas de forma contábil), se existe saldo credor ou devedor e, por fim, em existindo saldo condenará o devedor ao pagamento da quantia apurada. Desta segunda sentença, também será cabível recurso de apelação.


Por fim, em relação à ação de dar contas o procedimento é muito mais simples, pois o mero ajuizamento já demonstra a existência da relação de direito material, bem como o dever de prestar as contas, logo não será necessária a primeira fase, podendo o juiz partir direto para a análise e julgamento das contas.

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