Dando continuidade aos estudos sobre procedimentos especiais
de jurisdição contenciosa, hoje analisaremos duas ações: Ação de Depósito e
Ação de Prestação de Contas.
1. AÇÃO DE DEPÓSITO
Conforme bem diz o artigo 901 do CPC, a Ação de Depósito tem
a finalidade exigir a restituição de coisa depositada. Nas palavras de Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (Revista dos Tribunais, 2009), esta
ação trata-se de medida tendente ao exaurimento do contrato de depósito.
Nesses termos, o primeiro ponto que poderíamos extrair deste
conceito é que os legitimados para a ação já estão previamente definidos, quais sejam, o
depositante (independentemente de ser proprietário da coisa) como legitimado ativo e o depositário como legitimado passivo.
Uma questão que tem gerado discussão é quanto ao tipo de
depósito que enseja a mencionada ação, porém, a doutrina dominante já tem se
postado no sentido de que ela é cabível apenas nos casos de depósito regular, ou
seja, de coisa infungível, não sendo a ação adequada para os casos de depósito
irregular, ou seja, de coisa fungível.
No mesmo sentido tem se consolidado o entendimento do
Colendo STJ, senão, vejamos:
CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
- CONTRATO DE GUARDA E ARMAZENAGEM DE GRÃOS DE MILHO - BEM FUNGÍVEL - EGF/AGF -
AÇÃO DE DEPÓSITO - NÃO CABIMENTO – PRISÃO CIVIL - INVIABILIDADE.
A orientação pacificada no âmbito da 2a Seção desta Corte é a de que os
contratos de EGF e AGF, com o depósito de bens fungíveis, não autorizam, em
caso de inadimplência, a ação de depósito e, como conseqüência, a prisão civil
do responsável. Precedentes. Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 740385 /
MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, 3ª Turma, julgado em 07/10/2008).
PROCESSUAL CIVIL — AGRAVO REGIMENTAL — AGRAVO DE INSTRUMENTO — SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA — ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL — IMPOSSIBILIDADE —
CÉDULA DE CRÉDITO RURAL — DEPÓSITO DE BENS FUNGÍVEIS — AÇÃO DE DEPÓSITO —
INADMISSIBILIDADE.
(...) II – Em se tratando de bens fungíveis e consumíveis, não é
cabível ação de depósito, aplicando-se ao depósito atípico as regras do mútuo.
Precedentes. (AgRg no Ag 446296 / MT, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, 4ª Turma,
Julgado em 19/02/2008).
Quanto ao procedimento, podemos dizer que ação de depósito
origina um processo de conhecimento, com a finalidade de se obter uma sentença
condenatória, que imponha ao réu a obrigação de entregar a coisa depositada.
Conforme artigo 902 do CPC, temos que na petição inicial o
Autor deverá demonstrar o aperfeiçoamento do contrato de depósito, por meio de
prova literal (não apenas o contrato, mas também recibos, cartas e etc.), e a
recusa da parte adversa em entregar o objeto que lhe foi anteriormente
entregue. Além disso, é necessário instruir a inicial com a estimativa do valor
da coisa, se não constar do próprio contrato.
Feito isso, o réu será citado para no prazo de 5 (cinco)
dias: a) entregar a coisa; b) depositá-la em juízo; c) consignar-lhe o equivalente
em dinheiro; ou, d) apresentar defesa. Optando por apresentar defesa, o réu
poderá alegar a nulidade ou falsidade do título e da extinção das obrigações,
além das demais defesas previstas na lei civil. Frisa-se, ainda, que sendo a
ação contestada, observar-se-á o procedimento ordinário.
Misael Montenegro Filho (Código de Processo Civil Comentado,
2013, p.391) ensina que a ação de depósito é bifásica. Na primeira fase examina-se a existência ou não do
contrato de depósito de coisa infungível, bem como os motivos da oposição do
réu em devolver a coisa. Já na segunda fase, o Magistrado ordena a expedição do
mandado de entrega, independentemente da instauração da execução.
Essa é a interpretação do artigo 904 do CPC que delimita que
sendo julgada procedente a ação, ordenará o juiz a expedição de mandado para a
entrega, em 24 (vinte e quatro) horas, da coisa ou do equivalente em dinheiro.
No Código de Processo Civil ainda se encontra expresso a
possibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel, porém, a
regra foi derrogada pela Súmula Vinculante 25 do STF: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade
do depósito”.
Prolatada a sentença e expedido o mandado, se ele não
cumprido no prazo de 24 horas o juiz poderá apenas determinar a busca e
apreensão, sem prejuízo da fixação de multa diária, haja vista que estaríamos
diante de uma obrigação de dar coisa certa.
Se a entrega do bem não for mais possível (obrigação de dar
coisa certa), seja porque se deteriorou ou porque o réu o destruiu ou escondeu,
o valor do bem será apurado em liquidação de sentença (475-A ss), sendo
possível a instauração de execução por quantia certa.
In fine, destaca-se
que a sentença condenatória poderá ser atacada por apelação, recebida em ambos
os efeitos.
2. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
Todos que, em razão de uma relação jurídica de direito
material, administrarem bens ou patrimônio de outros ou comuns a ele e outros, tem
o dever de prestar contas. Do lado oposto, todo aquele que tiver seus bens ou
patrimônio administrados por terceiros, terá o direito exigir a prestação de
contas.
Diversas são as hipóteses que geram a obrigação e o direito
relatados, dentre elas, a título exemplificativo, podemos destacar: a relação
entre síndico e condomínio; do tutor com tutelado; do curador com o curatelado;
do inventariante com os herdeiros; do advogado com o cliente e etc.
Pois bem. Nesses termos, a ação em comento é o meio jurídico
adequado para que o autor exija a prestação das contas, quando contratual ou
legalmente tiver o direito de exigi-las, ou para que as preste, quando
contratual ou legalmente tiver obrigação de prestá-las. Assim sendo, temos que o Código de Processo
Civil, nos artigos 914 e seguinte, disciplina dois procedimentos distintos, uma
ação de exigir contas e outra dar contas.
Doutrinariamente, fala-se que esta ação é bifásica e de
caráter dúplice. A ação é bifásica porque, em um único processo de conhecimento
existem duas fases cognitivas diferentes, primeiramente o juiz analisa se o
autor faz jus à prestação de contas ou tem a obrigação de prestá-las, e
posteriormente examina as contas apresentadas e julga se há saldo credor ou
devedor.
Subsequentemente, temos que a ação é de caráter dúplice,
pois ambas as partes podem assumir a posição de autor ou réu na mesma demanda,
podendo o saldo apurado ser a favor do autor ou do réu, igualmente valendo a
sentença como título executivo.
Para demonstra a duplicidade da ação, Misael Montenegro
Filho (Código de Processo Civil Comentado, 2013, p.394) dá o seguinte exemplo:
Um condomínio ajuíza ação para que o síndico preste contas e acontece que, ele
não só demonstra uma boa administração como também que investiu dinheiro
particular para pagamento de despesas comuns, passando na mesma ação a exigir o
recebimento da devida restituição.
Quanto ao procedimento, na ação de exigir contas, a
competência será do foro do local onde ocorreu a gestão ou administração do
interesse alheio, exceto quando se tratar de relação de consumo, quando a
propositura da ação poderá ocorrer no foro do domicílio do consumidor.
Ademais, neste caso a legitimidade ativa é daquele que tem
seu bem ou patrimônio administrado por terceiro, sendo este o legitimado
passivo.
Diz o artigo 915 que quem pretender exigir a prestação de
contas requererá a citação do réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar
ou contestar a ação. Se forem prestadas as contas a primeira fase encerra-se
sem necessidade de sentença, se houver apresentação de defesa o magistrado
analisará e em seguida prolatará sentença, a qual poderá ser passível de
recurso de apelação.
Em sendo essa fase julgada procedente, o juiz condenará o
réu a prestar as contas no prazo de 48 horas. Se as contas forem apresentadas
no prazo estabelecido, seguir-se-á a ação para a segunda fase, podendo o autor
falar sobre as contas no prazo de 5 (dias). Não sendo apresentadas as contas, o
juiz dará ao autor o direito de apresentar suas contas em 10 dias, que serão
julgadas pelo prudente arbítrio do juiz, sem que o réu possa impugná-las.
Nesta segunda fase, o juiz examinará se as contas estão ou não
corretas (prestadas de forma contábil), se existe saldo credor ou devedor e,
por fim, em existindo saldo condenará o devedor ao pagamento da quantia
apurada. Desta segunda sentença, também será cabível recurso de apelação.
Por fim, em relação à ação de dar contas o procedimento é
muito mais simples, pois o mero ajuizamento já demonstra a existência da
relação de direito material, bem como o dever de prestar as contas, logo não
será necessária a primeira fase, podendo o juiz partir direto para a análise e
julgamento das contas.
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